Prisões no limite: a crise do sistema carcerário
- Laíssa Esmeraldo
- 11 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 11 de out. de 2024
Neste ano, o massacre na Casa de Detenção Carandiru completa 32 anos. Ele é considerado um marco importante no sistema carcerário brasileiro que, segundo dados oficiais, resultou na morte de 111 detentos. Extraoficialmente, no entanto, foram contabilizadas 250 mortes de presos.
Esse acontecimento serviu de inspiração para o filme Carandiru (2003), dirigido por Héctor Babenco. O longa aborda assuntos como brigas de facções, epidemias, contrabando de drogas e violações dos direitos humanos - em diversos níveis - retratando a realidade da vida carcerária brasileira.
Mesmo tendo ocorrido em 1992, aquele mesmo cenário das prisões brasileiras ainda é condizente com a atual conjuntura. Funcionando com 131,7% a mais de sua capacidade real e com população total de 850.377 presos (2023), de acordo com estatística da World Prison Brief (WPB), o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo, atrás, apenas, dos Estados Unidos e da China.
O massacre de Carandiru, como um dos primeiros sinais alarmantes da crise no regime carcerário brasileiro, aponta a superlotação como uma das questões mais graves do sistema. O crescimento do número de detentos nas prisões demonstra um déficit de 155.283 vagas, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (2023).
“O sistema prisional brasileiro é, talvez, um dos temas mais difíceis e complexos e uma das maiores violações de direitos humanos que ocorrem no Brasil”, afirmou Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em evento na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, em outubro de 2023.
Conforme especialistas consultados pela Comissão de Segurança Pública (CSP) em 2024, o sistema carcerário brasileiro apresenta graves falhas e opera com práticas e estruturas que infringem a Constituição, principalmente em relação aos direitos humanos e à dignidade humana, que são assegurados a todos, inclusive aos presos. Longe de garantir esses direitos tão caros, a realidade prisional brasileira revela a discrepância, o contraste entre o que está previsto na Constituição e o que se vê na prática.
A crise institucional em que se encontra o sistema prisional brasileira se manifesta, também, por meio da violência e de conflitos internos, tanto entre detentos, quanto entre agentes penitenciários.
Esse cenário de precariedade impacta diretamente um dos maiores desafios do sistema: a reintegração dos presos na sociedade.
Para o advogado José Ricardo Corbelino (membro efetivo da Comissão de Direito Carcerário da OAB-MT), “a solução para que a ressocialização se efetive é uma política carcerária que garanta dignidade ao preso em todos os sentidos, desde a prática de atividade física até o acesso ao trabalho profissionalizante. É através da educação e da profissionalização do condenado que se tornará possível oferecer condições para o reingresso no mundo do trabalho e consequentemente no convívio social.” Concluiu descrevendo o tripé da reinserção social, que constitui na soma do trabalho, da educação e de condições dignas no sistema prisional.
As cadeias lotadas, no entanto, evidenciam uma outra situação totalmente contrária àquela solução suposta pelo advogado. O insucesso dos programas de ressocialização se deve também ao fato de as prisões se tornarem ambientes onde apenas se perpetua a criminalidade.
A ausência de programas eficazes de ressocialização nas prisões faz com que muitos detentos saiam das unidades sem qualquer qualificação. Além disso, os estigmas associados aos ex-presidiários dificultam sua reintegração ao mercado de trabalho e à vida em sociedade, o que reforça a exclusão social e eleva as chances de reincidência.
A insalubridade, a extrema precariedade de instalações, a falta de acesso à saúde adequada, a violência e o contrabando de drogas são alguns aspectos do atual contexto carcerário brasileiro, afora o encarceramento em massa, que sobrecarrega tanto os presídios, quanto o sistema judiciário do país, com os altos números de processos criminais.
Os dados da WPB apontam que mais de 26% dos detentos dizem respeito às pessoas que ainda estão à espera de julgamento, não receberam sentença definitiva. São os chamados presos provisórios que podem, inclusive, ser condenados a penas mais brandas ou, até mesmo, inocentados.
O Código de Processo Penal Brasileiro não traz a prisão preventiva como regra, mas como uma exceção (art. 282, §6º), que deve ser usada somente em casos específicos. Como alternativas legais à prisão, a legislação brasileira dispõe de diversas medidas cautelares que devem ser aplicadas quando ausentes os requisitos da prisão preventiva. Alguns exemplos: recolhimento domiciliar no período noturno, suspensão do exercício da função pública, monitoração eletrônica, fiança, dentre outras.
As pessoas encarceradas estão sob custódia do Estado que, por sua vez, tem o dever de assegurar a sua integridade tanto física quanto moral, de modo que, o seu descumprimento pode acarretar na responsabilização civil pelos danos morais causados, tendo como fundamento os direitos referentes à dignidade humana.
A adoção de penas alternativas, como a prestação de serviços comunitários e a utilização de tornozeleiras eletrônicas aliviam a pressão sobre o sistema penitenciário. Tais medidas não só são mais econômicas, como também apresentam melhores resultados em termos de reintegração social.
Para melhor compreender a complexidade do sistema penitenciário brasileiro, é necessário pôr em evidência as suas principais deficiências estruturais, que consistem, além da superlotação, em uma série de problemas enraizados na gestão e nas políticas públicas atuais.
Parabéns pelo texto!