Número de jovens usuários de cigarros eletrônicos reflete uma tendência preocupante
- Laíssa Esmeraldo
- 29 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
A data de hoje, 29 de agosto, é conhecida por ser o Dia Nacional de Combate ao Fumo. O Brasil, de acordo com a sétima edição do Relatório da Organização Mundial da Saúde sobre a epidemia mundial do tabaco, revelou-se estar entre os países que mais tiveram êxito na efetivação de ações de políticas públicas para combater o tabagismo (a dependência da nicotina).
O país conseguiu reduzir, desde 2010, o número de fumantes por volta de 35%. Essa conquista é o resultado de diversas medidas, tais como o aumento dos impostos sobre o tabaco, a proibição de sua publicidade, a criação de espaços livres de cigarro e a oferta de tratamento pelo Sistema Único de Saúde.
Entretanto, na contramão desse feito, a quantidade de jovens fumantes vem crescendo surpreendentemente a cada dia. Nesse caso, o vilão é outro. O cigarro convencional vem dando lugar à sua versão eletrônica (o chamado vape ou pod), o qual se tornou uma febre entre os jovens e que é frequentemente (e falsamente) mostrado como uma “alternativa segura e saudável” para o fumo.
Uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Pelotas apontou que um a cada cinco jovens, no Brasil, utiliza esse tipo de dispositivo, sendo mais popular na faixa etária entre 18 e 24 anos, em que a iniciação pode se dar pela curiosidade ou pela influência social, por exemplo. A última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) revela que, em 2019, 16,8% dos jovens entre 13 e 17 anos já experimentaram o vape, o que pode implicar a iniciação ao tabagismo cada vez mais precoce.
A estudante de nutrição Isadora Moraes, 26 anos, usuária de cigarros eletrônicos, relata que começou a usar experimentando os dos amigos. Não demorou muito até passar a comprar e usar o próprio. “Várias vezes já pensei comigo ‘esse é o último que vou comprar‘", confessa Isadora.
A alta adesão não surpreende, o dispositivo contém elementos chamativos, como formato, sabores e aromas. Além desses atrativos, o uso de cigarros eletrônicos está associado a lugares e espaços recreativos, que acabam endossando a sua ilusória imagem positiva.
Os vapes, refutando aquilo que é erroneamente divulgado, podem conter altas doses de nicotina, o que leva mais facilmente ao vício. E, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), existem estudos comprobatórios dos altos níveis de toxicidade dos vapes, no sentido de que podem ser até mais prejudiciais se comparados ao cigarro tradicional. Os cigarros eletrônicos misturam substâncias tóxicas com outras igualmente danosas. Algumas dessas substâncias são os considerados metais pesados: como o chumbo, o ferro e o níquel.
Além disso, o uso desses produtos está associado ao surgimento de doenças, desde cardiovasculares e respiratórias, a danos no sistema imunológico, convulsões, cânceres, e outras que podem atingir também os não-fumantes.
Em entrevista, dra. Victória Morais, médica que atua em emergências nas Unidades de Pronto Atendimento em Fortaleza, destaca ainda a EVALI (lesão pulmonar relacionada ao uso de cigarro eletrônico) como um problema sério, que é uma condição respiratória grave com sintomas como tosse, falta de ar, dor no peito, fadiga e pode progredir rapidamente.
Em entrevista à CNN, a médica diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração, Jaqueline Scholz destaca que “a indústria, quando viu que o cigarro convencional era um produto morto do ponto de vista de marketing, pensou em alternativas”.
Agora a indústria transferiu esse conceito para o cigarro eletrônico. O convite é sempre o mesmo para que a pessoa entre em contato com a nicotina, que é uma substância altamente viciante. E dessa brincadeira de experimentar sabores diferentes, quando você vê já está viciado. - Jaqueline Scholz
Em tese, a elevação do uso dos cigarros eletrônicos no Brasil não faz sentido, já que a importação e a propaganda são proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) desde 2009. Mesmo assim, o comércio ocorre livremente, sendo possível - e fácil - ver ambulantes vendendo vape nas ruas, ou sendo comercializado em inúmeros sites na internet, com promoções atrativas ou em tabacarias, por exemplo.
Apesar de fazer uso de cigarros eletrônicos, a jovem Isadora reconhece a importância de maior rigor no controle quando se fala de vapes, inclusive na sua fabricação, pois ”uma vez produzido, é como qualquer outra droga proibida, as pessoas dão um jeito de vender ou comprar”.
No ano de 2023, um projeto de lei, apresentado no Senado, propunha regras para fabricação, comercialização dos vapes e para sua liberação de uso. E, no período de 12 de dezembro de 2023 a 09 de fevereiro de 2024, foi realizada uma consulta pública sobre o tema.
A ANVISA, em abril deste ano, manteve a proibição dos cigarros eletrônicos. Tem-se, no Brasil, atualmente, a proibição da fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e a propaganda desses dispositivos.
Além dos danos físicos, destaca a Dra. Victória Morais a provável presença de ansiedade, transtornos depressivos, perda de interesse para outras atividades e irritabilidade. O uso de cigarros eletrônicos pode influenciar, também, na qualidade do sono, pode prejudicar as relações sociais, e ainda, aumentar os riscos do uso de outras substâncias e/ou drogas recreativas.
Em nota técnica, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez um alerta quando diz que as autoridades governamentais devem agir de forma incisiva com vistas a impedir o consumo dos cigarros eletrônicos para, assim, proteger especialmente as crianças e os jovens.
A proibição legal de dispositivos como os vapes e a sua fiscalização contínua e rigorosa, devem andar juntas à constante educação e conscientização para se obter efetivos resultados nessa guerra contra a dependência da nicotina cada vez mais precoce.
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